A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

domingo, 6 de dezembro de 2015

ESTAS COISAS QUE SE ACABAM


Existo dentro destas coisas que se acabam.

Como a erva rasa à beira do caminho,
testemunho o ofício do tempo
arrastado nas sandálias dos humildes ─
                  esses que, mais adiante,
                  não tornarão a estar;

                  tornarão a ser o pó
                  nas gastadas sandálias
                  de seus filhos ─

porque só existimos dentro destas coisas
                                                      que se acabam

(qual deus,
                  nesta carne que sou,
                  que se acaba).


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# Poema constante de "Aridez lavrada pela carne disto" (Confraria do Vento, 2015)

# Dércio Braúna, poeta, contista e historiador, é também editor de Kaya [revista de atitudes literárias] - http://kayarevistaliteraria.blogspot.com.br/. Seu site é este: http://www.derciobrauna.com/.

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Destinos



Na pradaria,
entre escaramuças e carreiras,
brincam e coexistem
─ em (quase) confraria ─
os filhos do vaqueiro e nossas crias.

Olho-os com exultação,
e certamente inquieto:

O porvir,
para ambos,
será leve?


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# Poema constante de "Ruminar" (Sarau das Letras, 2015)

│Autor: David de Medeiros Leite

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

TU NÃO OUVES DEBUSSY



Tu não ouves Debussy.
Da torre em que te encastelas,
palavra por palavra,
todas maldizentes,
nada há que seja ouvidos.

E sei que a roupa que vestes,
transida de dor,
extensão da tua pele,
diz de barcos que não voltaram;
sangra, por suas cores em fuga,
os amores de nunca.

Sim, tu não ouves sequer
o próprio coração,
o resto de pulso
que te cabe
da parca alegria de um ainda.

Quando muito, resíduos de um rosto
que se bate ao espelho  e chora:
a imagem arvorada e sumidoura
dos que não ouvem Debussy.


│Autor: Webston Moura

ASTARTE (ISHTAR)


Não és Moira Harpia
nem Sereia Esfinge
não és e não finges
            e me sevicias

(Quem sabe destarte
sejas antes Vênus
(o púbis pequeno)
ou ainda Astarte?)

Belzebu não és
Baal Belial
não és bem um Mal
           e estou a teus pés

(Talvez (que sei?) nada
de claro de certo
declaro (decerto?)
seres Bruxa (ou?) Fada)

Não és Eloim
sequer Macabeus
não és Anjo deus
          e habitas em mim


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# POEMA CONSTANTE DE "Girândola" (Editora Substânsia, 2015)

│Autor: O Poeta de Meia-Tigela

domingo, 29 de novembro de 2015

Litorais


Coisas feitas de água:
Os peixes, as conchas, o sal,
A sede, o suor e o cais...
E além das águas, há mais:
A lua que brilha nas vagas
E o mar sem par e sem paz.

Coisas feitas de vento:
O Braço da hélice e a duna,
Nuvem, ondas, coqueirais,
Folhas, velas, pardais;
Depois, os voos desfeitos,
As coisas de nunca mais.


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# Poema constante de Canto Aceso (Expressão Gráfica e Editora, 2015)

│Autor: Carlos Nóbrega

terça-feira, 10 de novembro de 2015

UM DIA SÓ






Um dia só, desabitado:
remoído e refeito o usual,
améns ao infinito.

Ver os cabelos adentrar o grisalho;
percorrer a insânia do símile
ao que, furta-cor, não chega a ser
mais que um órfão.

A cal sempre nula na cor branca,
que é sua natureza inalterável,
nudez exposta à luz,
a tudo percorre.

E nada há que, explodindo,
substancie-se em beijo,
tampouco arranhe uma leiva.


│Autor: Webston Moura


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Eco



Vagas são as promessas e ao longe,
muito longe, uma estrela.

Cruel foi sempre o seu fulgor:
sonâmbulas cidades, ruas íngremes,
passos que dei sem onde.

Era esse o meu reino e era talvez essa
a voz da própria lua.
Aí ficou gravada a minha sede.
Aí deixei que o fogo me beijasse
pela primeira vez.

Agora tenho as mãos vazias,
regresso e sei que nada me pertence
─ nenhum gesto do céu ou da terra.
Apenas o rumor de breves sombras
e um nome já incerto que por mágoa
não consigo esquecer.


│Autor: Fernando Pinto do Amaral

sábado, 7 de novembro de 2015

ATÉ O JÚBILO DESFAZER-SE EM SUSPIROS




Seus olhos maus me ensombram
e seus lábios são sábados sem fim.

O dia certo?
Nem me lembro.
         (Chove,
           lá fora,
           lusco-fusco,
           final de tarde).

Como uma oscilação,
seu corpo reveste o quarto
ao tempo em que sua respiração
desafoga todos os sentidos-nãos
e os alecrina de alvíssaras.

Um ao outro, limítrofes,
ínsulas não mais, ou nem tanto,
desmontamos o talvez
até o júbilo desfazer-se em suspiros.


│Autor: Webston Moura

O PREÇO DA PASSAGEM


Em silêncio,
dependurados no metal frio
de gastas engrenagens,
nomes guardados no anonimato
da indigência e do abandono,
bovinas figuras que o Estado
e a iniciativa privada pisam.
Não estão a passear,
passageiros que o são
da rotina disciplinada a ferro,
indo ou voltando do trabalho.

Cansaços, medos, angústias.
Assaltos, assédios, abusos.

Pela janela,
veem a cidade passar,
toda ela sedutora e impossível,
atraente e horrorosa,
erguida contra qualquer sonho
que repouse nalgum crepúsculo
acalentador de trovas e poemas.

A um canto mais ao fundo
alguém dorme quase esquecido
de onde deve saltar: despercebe o trajeto;
                                                    apaga a vida.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

ENQUANTO O SISAL AMADURECE O TEMPO


Eram todos livres,
mas apenas para gritar.

(E ninguém lhes escutava).

Num grande pátio feito para agonias,
o vazio de saber-se só com seu grito
e o nada-mais abundante
sob a bandeira erguida
a representar esta liberdade,
mas dizendo-se voz de outra,
aquela nunca atingida.

E, em mínimos intervalos,
amavam aos seus amores
ou o que deles restou:
a ainda, se possível, negra mulher,
que negras eram todas sob aquele ar;
a luz do candeeiro silhuetando o coqueiro;
a lua e suas metamorfoses;
um cão dormindo;
                     o sisal.


Eram todos livres
numa terra livre e incompreensível.
E suas línguas eram ditas dissolução.


│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

TUDO É VÃO NO FRAGOR DE TODAS AS GUERRAS

Nenhum pássaro é avulso.
Tampouco seu voo ou o azul ao fundo.
Fui menino para guardar a lembrança
de que tudo isso é um milagre
e que, como o pássaro, as flores
não intentam vulgaridades.

No entardecer de minha existência,
agoniado entre meus semelhantes,
estes que se embatem por suas verdades,
já não sei se lhes passa ao coração
alguma réstia do que um dia
lhes possa ter sido o que,
                         sem medo,
ousariam chamar de criança:
aquele olhar sem mácula descobrindo o mundo.

Talvez,
estes que se embatem por suas verdades
nada mais possam que não seja a morte
que lhes acompanha enquanto compram carros
e tomam precauções e sedativos.

Tudo é vão no fragor de todas as guerras.


│Autor: Webston Moura
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