segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Inventei uma dor


Inventei uma dor
E um presságio
Me anuncia
Que ninguém festeja aqui
Inventei uma solidão, uma carta
Baratinada
Inventei uma confissão
E um pecado
Peregrina
Inventei um deserto e lá me lancei
De calor e de medo
De ilusão
Criei.


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# Poema constante de "Partida de não dizeres" (Editora Substânsia, 2015), de Vitória Régia (o poema)
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domingo, 6 de dezembro de 2015

CONFISSÃO



Sintonizado ao barulho
reconheço o prego
                     pregado
o parafuso
enroscado
                 a água
                 fervida
o dia
mudado
para a tarde
noite
dos regressos

eu
casa fechada,
confesso o crime
de escutar a vida
por todos os lados.


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# Poema constante de "O livro infindável e outros poemas" (Sarau das Letras, 2015), de Pedro Du Bois.

# Pedro Du Bois tem um blog [http://pedrodubois.blogspot.com.br/] e consta da primeira edição de Kaya [revista de atitudes literárias].
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ESTAS COISAS QUE SE ACABAM


Existo dentro destas coisas que se acabam.

Como a erva rasa à beira do caminho,
testemunho o ofício do tempo
arrastado nas sandálias dos humildes ─
                  esses que, mais adiante,
                  não tornarão a estar;

                  tornarão a ser o pó
                  nas gastadas sandálias
                  de seus filhos ─

porque só existimos dentro destas coisas
                                                      que se acabam

(qual deus,
                  nesta carne que sou,
                  que se acaba).


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# Poema constante de "Aridez lavrada pela carne disto" (Confraria do Vento, 2015)

# Dércio Braúna, poeta, contista e historiador, é também editor de Kaya [revista de atitudes literárias] - http://kayarevistaliteraria.blogspot.com.br/. Seu site é este: http://www.derciobrauna.com/.

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Destinos



Na pradaria,
entre escaramuças e carreiras,
brincam e coexistem
─ em (quase) confraria ─
os filhos do vaqueiro e nossas crias.

Olho-os com exultação,
e certamente inquieto:

O porvir,
para ambos,
será leve?


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# Poema constante de "Ruminar" (Sarau das Letras, 2015)

│Autor: David de Medeiros Leite

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

TU NÃO OUVES DEBUSSY



Tu não ouves Debussy.
Da torre em que te encastelas,
palavra por palavra,
todas maldizentes,
nada há que seja ouvidos.

E sei que a roupa que vestes,
transida de dor,
extensão da tua pele,
diz de barcos que não voltaram;
sangra, por suas cores em fuga,
os amores de nunca.

Sim, tu não ouves sequer
o próprio coração,
o resto de pulso
que te cabe
da parca alegria de um ainda.

Quando muito, resíduos de um rosto
que se bate ao espelho  e chora:
a imagem arvorada e sumidoura
dos que não ouvem Debussy.


│Autor: Webston Moura

ASTARTE (ISHTAR)


Não és Moira Harpia
nem Sereia Esfinge
não és e não finges
            e me sevicias

(Quem sabe destarte
sejas antes Vênus
(o púbis pequeno)
ou ainda Astarte?)

Belzebu não és
Baal Belial
não és bem um Mal
           e estou a teus pés

(Talvez (que sei?) nada
de claro de certo
declaro (decerto?)
seres Bruxa (ou?) Fada)

Não és Eloim
sequer Macabeus
não és Anjo deus
          e habitas em mim


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# POEMA CONSTANTE DE "Girândola" (Editora Substânsia, 2015)

│Autor: O Poeta de Meia-Tigela

domingo, 29 de novembro de 2015

Litorais


Coisas feitas de água:
Os peixes, as conchas, o sal,
A sede, o suor e o cais...
E além das águas, há mais:
A lua que brilha nas vagas
E o mar sem par e sem paz.

Coisas feitas de vento:
O Braço da hélice e a duna,
Nuvem, ondas, coqueirais,
Folhas, velas, pardais;
Depois, os voos desfeitos,
As coisas de nunca mais.


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# Poema constante de Canto Aceso (Expressão Gráfica e Editora, 2015)

│Autor: Carlos Nóbrega

terça-feira, 10 de novembro de 2015

UM DIA SÓ






Um dia só, desabitado:
remoído e refeito o usual,
améns ao infinito.

Ver os cabelos adentrar o grisalho;
percorrer a insânia do símile
ao que, furta-cor, não chega a ser
mais que um órfão.

A cal sempre nula na cor branca,
que é sua natureza inalterável,
nudez exposta à luz,
a tudo percorre.

E nada há que, explodindo,
substancie-se em beijo,
tampouco arranhe uma leiva.


│Autor: Webston Moura


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Eco



Vagas são as promessas e ao longe,
muito longe, uma estrela.

Cruel foi sempre o seu fulgor:
sonâmbulas cidades, ruas íngremes,
passos que dei sem onde.

Era esse o meu reino e era talvez essa
a voz da própria lua.
Aí ficou gravada a minha sede.
Aí deixei que o fogo me beijasse
pela primeira vez.

Agora tenho as mãos vazias,
regresso e sei que nada me pertence
─ nenhum gesto do céu ou da terra.
Apenas o rumor de breves sombras
e um nome já incerto que por mágoa
não consigo esquecer.


│Autor: Fernando Pinto do Amaral

sábado, 7 de novembro de 2015

ATÉ O JÚBILO DESFAZER-SE EM SUSPIROS




Seus olhos maus me ensombram
e seus lábios são sábados sem fim.

O dia certo?
Nem me lembro.
         (Chove,
           lá fora,
           lusco-fusco,
           final de tarde).

Como uma oscilação,
seu corpo reveste o quarto
ao tempo em que sua respiração
desafoga todos os sentidos-nãos
e os alecrina de alvíssaras.

Um ao outro, limítrofes,
ínsulas não mais, ou nem tanto,
desmontamos o talvez
até o júbilo desfazer-se em suspiros.


│Autor: Webston Moura

O PREÇO DA PASSAGEM


Em silêncio,
dependurados no metal frio
de gastas engrenagens,
nomes guardados no anonimato
da indigência e do abandono,
bovinas figuras que o Estado
e a iniciativa privada pisam.
Não estão a passear,
passageiros que o são
da rotina disciplinada a ferro,
indo ou voltando do trabalho.

Cansaços, medos, angústias.
Assaltos, assédios, abusos.

Pela janela,
veem a cidade passar,
toda ela sedutora e impossível,
atraente e horrorosa,
erguida contra qualquer sonho
que repouse nalgum crepúsculo
acalentador de trovas e poemas.

A um canto mais ao fundo
alguém dorme quase esquecido
de onde deve saltar: despercebe o trajeto;
                                                    apaga a vida.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

ENQUANTO O SISAL AMADURECE O TEMPO


Eram todos livres,
mas apenas para gritar.

(E ninguém lhes escutava).

Num grande pátio feito para agonias,
o vazio de saber-se só com seu grito
e o nada-mais abundante
sob a bandeira erguida
a representar esta liberdade,
mas dizendo-se voz de outra,
aquela nunca atingida.

E, em mínimos intervalos,
amavam aos seus amores
ou o que deles restou:
a ainda, se possível, negra mulher,
que negras eram todas sob aquele ar;
a luz do candeeiro silhuetando o coqueiro;
a lua e suas metamorfoses;
um cão dormindo;
                     o sisal.


Eram todos livres
numa terra livre e incompreensível.
E suas línguas eram ditas dissolução.


│Autor: Webston Moura
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