A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

sábado, 19 de novembro de 2016

UMA CANÇÃO, DE OLHOS FECHADOS

Quem frequenta esta varanda
montada em sonhos?



Ainda não! ─ digo ao por-do-sol,
lenta amorosidade que me toma,
para que se demore mais ao coração.
A Terra, noutros lugares, amanhece,
mas aqui não logro medir tempos;
quero a duração da natureza,
este seu fenômeno dito pousar a luz,
adentrar a noite e deixar subir ao chão do mundo
os olhos perspicazes de outros seres.

Mas, ainda não, que desejo
estar no talvez, na imprecisão,
no reflexo áureo-fugidio da luz na água.
Queira-me assim, impensante.

A vida é bela,
uma canção de olhos fechados,
Gal Costa passeando voz na amplidão.


│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O ABSOLUTO

Ora che amo te
nasce il tempo da vivere*



Há uma moça debruçada na janela.
Seus cabelos, calidez mansa.
Olha a rua de um ano remoto,
cidade elevada ao sonho.

Seu vestido, silêncio, dobras,
a canção latente, o livro verde.

Para ela, meu olhar invisível.
Percorro o império de sua liberdade.

Na janela,
a moça,
recuado tempo,
rua e sombrinhas,
o absoluto.


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* Versos de "Grazie Amore", de Gigliola Cinquetti (intérprete)

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│Autor: Webston Moura
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PEREGRINO

Onde estão os homens,
os sérios homens angustiados,
não faço pátria.

Não tomo assento à beira
da desordem daqueles homens,
todos municiados de dissabores.

Antes, bem antes, o que eu quis
foi estar nesta estrada a que me dou
de pés descalços.

É a velha estrada,
esta velha e (em mim) sabida estrada,
inícios de meus passos, os mais primeiros,
mesmo que outros, mesmo que novos,
dado que tarefa e caminho do peregrino.


│Autor: Webston Moura
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UM NO OUTRO

Eu te dou esta música
e uma quinta-feira cuja tarde
é plenamente autêntica.    
Esquecidos de nós, somos!
E, mais tarde, quando a lua surgir,
conte-me, sem pressa, alguma lenda
de algum povo antigo e feliz.

Quero ver-te na duração de um café:
ritmo que se põe à boca
enquanto se vislumbra
o pouso de uma ave
no verde da folhagem.

A vida é isto,
discos espalhados,
o frasco de perfume
denunciando o íntimo
que nos toma um no outro.

Nosso tempo,
música gozosa e imune a intempéries,
diz-se casa e viagem,
               nunca exílio,
               nunca ausência.

│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

SÓIS QUE JÁ SE FORAM

Meus ossos,
as memórias que carregam,
os sóis que já se foram,
mais ainda, as tardes.

Amarre direito, com calma!
Ia-me, em seguida, arrastando
o carrinho verde pelo chão.

A vaca pastava;
o bezerro, quieto;
azul, o horizonte;
tudo era completo.

Ainda poucos,
meus irmãos
─ dou-me conta ─
onde estão?
Nalgum vão da casa,
num quarto cuja cor me foge.

Num dia de Natal,
vestiram-me uma calça marrom
de um tecido novo.
O botão, osso lapidado,
encerrava-me na segurança de quem,
                                                brincando,
                                 imitava um adulto.

Acho que vou chorar.
Para onde estão me levando?

Vozes,
gente que nunca vi,
horas da noite em que nunca abri olhos,
e, lá fora, a cidade, o encanto enorme.

Depois, dormi.
Com o que sonhei,
se em todo, naquele dia, sonhei?

Sóis que já se foram.

│Autor: Webston Moura
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domingo, 25 de setembro de 2016

TUDO É SECRETO

Comove-me a vida, não seu desandar.
A luz, caso se apague, põe-me diligente
a soprar-lhe a força, aquela mais íntima
que os homens cismam, mas não veem.
E, caso quieto e à espera que volte, rezo:
olhos fechados, cheiro de tudo ao nariz,
rogo a antigos e ígneos deuses uma lâmpada.

Comove-me a vida, não sua balbúrdia.
Ando, passos lentos, e leio a placa:
“Coronel Araújo Lima” ─ quem terá sido?
Perto, um vendedor de tapiocas passa
e anuncia seu ganha-pão. Terá filhos? Quantos?

Tudo é secreto.

Comove-me a vida, seus acidentes sentimentais
e toda a possibilidade de abrir portas e janelas.
A pressa com que os transeuntes seguem, não.
Tampouco a fumaça irresponsável de seus carros
e os humores maldizentes com que se corroem.

Uma moça atravessa a rua.
Nas mãos, O tronco do ipê.
De soslaio, olha-me;
depois, olhos ao chão, sorri.
Segreda-me, em plena rua, valsas:
a pequena tatuagem, em voo livre, num dos pés.

Comove-me a vida.
E isso inclui o cão feridento e sujo
que, à porta do mercado,
fala-me olhos de socorro e perdão.
Faz-me pensar na carga de humanidade que trago.


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

CONVERSAS

Não a conversa dos vizinhos
pelas janelas
abertas
nos assuntos
de todos os dias

a conversa ampliada
em gestos e sorrisos
na mímica
  e música

não a descoberta da vontade
em palavras imaginadas
nos mistérios
e desvendadas
em conversas
de vizinhos
no que acontece
diariamente.


│Autor: Pedro Du Bois
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POEMA retirado do blog do autor: http://pedrodubois.blogspot.com.br/

Pedro Du Bois, poeta e contista. Passo Fundo, RS, 1947. Residente em Balneário Camboriú, SC. Vencedor do 4º Prêmio Literário Livraria Asabeça, Poesia, com o livro Os Objetos e as Coisas, editado pela Scortecci Editora, SP. Tem publicado pela Corpos Editora, Portugal, A Criação Estética; Pela Sarau das Letras, Mossoró, RN, Seres; Pelo Projeto Passo Fundo, Brevidades, Via Rápida, Iguais e Em Contos; Pela Editora Penalux, O Senhor das Estátuas. Blog [http://pedrodubois.blogspot.com.br/]. 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O SILÊNCIO

Vozes do mar, de ribeirinhos claros,
de árvores ameigadas pela aragem,
de montes e de vales e de ninhos,
de penedos e de ervas e bichinhos,
respirações suaves da Paisagem…;

(uma formiga arrasta um grão: entanto,
há de o seu peso ir a arrastar no chão,
e esse peso, a arrastar, será um canto…;

vai à roseira a borboleta ansiosa:
e ao sugá-la, nos rápidos instantes,
há um barulho musical na rosa
e outro naquelas asas palpitantes…);

cantos do Sol amanhecendo a aurora;
vozes do Sol enchendo o meio-dia,
ais do Sol pela tarde gemedora…;

vozes-sopros e sons crepusculares
que evaporais e adormeceis nos ares,
onde tudo dorme e tudo erra:
as dos frutos crescendo nos pomares,
a das raízes a furar a terra;
as dos astros que vão, longinquamente,
rompendo o ar, nas órbitas traçadas,
e donde nos virão (a alma as pressente)
outras vozes, também, adelgaçadas…;

fala do Todo, línguas do universo,
cujos diversos timbres são iguais:

- sois vós, no vosso murmurar disperso,
que este Silêncio universal criais.

Apenas no Silêncio, na beleza
do seu falar, a alma se extasia:

harmonioso como a luz do dia,
o Silêncio é a voz da natureza.

000

│Autor: Afonso Lopes Vieira

Da obra “Ar Livre”, de Afonso Lopes Vieira, Livraria Editora Viuva Tavares Cardoso, Lisboa, Portugal, 1906, 211 pp., pp. 155-157.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

UMA PEQUENA ROSA DE QUELUZ

Amor,
este cais de setembro a sol
onde a tarde me põe aos ventos.

Olho os teus olhos
(yeux papillon),
luz negra no horizonte
de continentes tranquilos.

Quero a liberdade dos bichos,

acordar orvalho, cavalgar raios,
dispor de espaços

                         vazios.


Ao canto da página, tua escrita:

as fadas existem; estrelas, eu as leio.
Depois, fecha os olhos e respira.
Da rua, pão e outros cheiros.
Uma sereia sobre uma rocha.
As ondas arremetem. Espuma.
Vinho, corpo, ira.
Que os Visigodos não nos encontrem!



│Autor: Webston Moura
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ESTA INCONVENIÊNCIA CONTRA A ROTINA

Tudo é interino, inclusive nós.
Esta noite passa; a lembrança, talvez.
O perfume no lenço; o vento, perfeito.
João Bosco canta Desenho de Giz.
As luzes, laranjas mornas no topo dos postes,
exibem o véu úmido de uma quase-neblina.

Dizem que, lá fora, um povo se debate, e é verdade.
Mas, pausa que o sonho requer,
o amor é esta inconveniência contra a rotina.

O homem é pouco; o tempo, idem.
Olha o rouxinol desenhando lilases na lua!


│Autor: Webston Moura
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domingo, 21 de agosto de 2016

UMA GRINALDA NO AR

O dia exibe um deserto:
areia e pedra, infinitamente.
O céu, nudez azul.
Olhos nos faltam à sua magnitude.
Solitário é o peregrino.

Longe, cidade vazia,
rastro de parda criatura,
uma ilha depois de todos os fins.

A palavra que a isto descreve,
um arame estendido num zênite.

Dois antônimos pássaros
e toda a luz demasiada.

Uma grinalda no ar,
bailarina e veleiro.



│Autor: Webston Moura
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sábado, 20 de agosto de 2016

LICOR E PENÍNSULA

Vazia a praça,
as águas falavam.
Uma praça azul:
líquida e fêmea.

Como quem,
depois de dez anos,
retorna de alguma península esquecida,
perdia-me no ir e vir, volteando 
            ladrilho, ladrilho, chiclete, ladrilho,
            ladrilho, moeda, ladrilho... A torre!

A igreja, a mesma;
sua pintura, não.
Do outro lado da rua,
um bebê e uma mãe,
os dois em remanso.

Ladrilho, água, ladrilho, água.
Gosto de estar, depois de dez anos,
volteando a música licorosa na carne,
passado e presente, domingo e vazio.

Vazia a praça, porque para mim:
marujo e azul, domingo e vazio.

Vazia a praça
depois de dez anos,
ladrilho e chiclete,
licor e península.


│Autor: Webston Moura
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