A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

sábado, 10 de dezembro de 2016

POR UM INSTANTE


Há muita força em qualquer coisa natural.
Coisa é ser sem nome mesmo.
E não ter nome não é demérito, mas liberdade.

Há muita força na monotonia dos peixes,
miúdos peixes que me prendem a atenção,
à beira d’água, marulhos vagando no silêncio.

Observo a condição dos homens,
espécie atônita da qual faço parte,
e vejo coisas presas a nomes.

Tenho pena de nós,
cegueira implacável
cultuada como a um deus.

(Mas deus de que mesmo?!)



│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

AO HOMEM SISUDO DESESPERANÇADO

Amargo coração,
este que armadilhas
nas alamedas do livro-de-rosto.

Escuta, pois, Nana Caymmi.
Deixa que te tome a isenção dos pássaros.

A correr na nudez das praias,
pessoa, só pessoa,
esquece-te de ti!

Não estarás aqui quando o sol despedir-se.
Sequer beberás champanhe no dia mais outro,
aquele imaginado para além, muito além.

Assim, como podes, escuta Nana Caymmi.
Aprende, marujo, a deitar carga ao acostamento.

Num monte alto,
escolha que podes,
recita a poesia de teu gozo.

Escuta o vento.
Aprende a tristeza, sua lição de disciplina,
                                   não seu remoer de dor.


│Autor: Webston Moura
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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

UMA TARDE E ALGUMAS CONFISSÕES

Ouvindo Pequeno Mapa do Tempo
e praticando meu plano de fuga.




Você é a cidade deserta.
Cheguei tarde, depois da explosão.
Havia idade em ti, outro tempo,
e você era o algodão doce, a meus olhos.
Meus olhos mesmo eram o acolhimento,
ainda não haviam sentido o infortúnio.
Viam, sem aspas e sem receios, o abrir-se
de cada coisa que, pura e nova, era tão vida!

Você é a cidade saqueada, agora taciturna.
Cheguei tarde, depois do atroz.
Ao cimo de um poste, presbítero de reveses,
um negro pássaro espreita minha figura de sol.
Talvez se apiede de não poder me ajudar.
Nem canta, nem se mexe, nem nada.

As quatro estradas vão dar aonde?
Não há placas, sinais, indicações.
É quase noite, preciso seguir.
Você, que os tolos não concebem,
ausência que se corporifica no que restou,
é a cidade de um talvez-futuro,
quando retornará numa estrela azul-arcano.
Por ora,  apenas a cidade deserta no meu coração.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 4 de dezembro de 2016

PARA ALÉM DA TUA BANDEIRA



Desconfio da tua isenção
─ os tempos são duros,
o mundo é múltiplo-caótico
                      (como sempre).
Atenha-se, módico amigo,
a pensar um pouco!
Há vida, para além da tua bandeira
(teu fígado falante e assoberbado).
Ontem, éramos mais que essa trincheira
estendida por sobre as nossas palavras,
os nossos atos e as nossas esperanças.
Hoje, malquistos mutuamente,
espreitamos, cismados, atrás de muros,
e somos menos, exceto em agonia.

Repara que o teu incêndio parte das tuas mãos.
São tuas palavras, empreiteiras de mundos,
os frutos que fabricas contra ti e contra tudo.

Queres guerras?
Quero leveza.
Não me resolvo em trânsitos de não-se-chegar
                                                           a lugar algum.

E estou sempre em voo.


│Autor: Webston Moura
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sábado, 3 de dezembro de 2016

O TEU INCÊNDIO

O incendiário
vos convida
a apagar o fogo.



Não fui eu!
Não me culpe da cobra que te morde,
da febre que te consome e te argumenta,
do x que não se revela na tua equação.

Não me queira (aziago) anunciando
a vitória futura sobre os inimigos da tua lavra.

Não me esfregue ao nariz a centésima teoria
de como melhorar o dia, o café, a economia.

Não me chame para assinar o manifesto
de ser bom e funcionar mediante a tua regra de ouro.

Não chore, não grite, não se iluda!
Não tente atear ódio aos rios!
Não ouse, entredentes, Mercedes Sosa!
Não cante Let it be como se náusea fosse.

Diria um profeta, se profecia isto se dissesse:
                                         Ah, vai tomar banho!

Recua tua língua da minha calçada,
da minha varanda, da minha reza!

│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

ENQUANTO ELA VOA

Desses guetos aí porta afora,
do fundo de pequenos quartos,
da sombra de qualquer alpendre,
do interior de um ônibus,
de todos os esconderijos,     
alguém quer poesia,
captura-la, senti-la, fazê-la



                         enquanto


ela
                              

                                  voa,


como se houvesse



        ─ e há ─



espaços em branco
(vazios sagrados)
no tumulto do mundo.

Nada pergunte.
Apenas saiba que nem todos
estão para as rações ordinárias.



Há os que amam.
Quietos que sejam, há.




│Autor: Webston Moura
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QUERO LEVEZA



Sea channel with lighthouse (1873) - Ivan Aivazovsky





A notícia suja meus olhos.
O volume, a reverberação,
a comoção, unanime e planejada,
o todos juntos, quer no ódio ou no amor,
tudo isso é política e propaganda.

Quero a leveza, a suave tatibilidade,
o olho que olha e vê, sem espasmos,
o beijo, a brisa, a lua lenta, quero-os.
E, assim, como se vai devagar um barco,
quero-me invisível ao horror geral,
à cena, ao espetáculo do presente,
ao tumulto de opinar e sofrer impugnação.

Desejo rever relâmpagos;
ter meus olhos de volta.
Desejo acordar do viva-voz,
da excelência tech que me priva
de sentir a minha carne.



│Autor: Webston Moura



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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

OS HOMENS DE BEM

De bem, os homens,
aparentemente limpos,
de terno, gravata e sapatos,
no ar-refrigerado máximo,
à sombra de dias plenos,
discursam, sérios e eloquentes,
gesticulam, aparteiam-se, cutucam-se
                                           ─ e nos traem!

De bem, os homens
nos apresentam esposas,
filhos, amigos, agregados,
tradição e honra.
Frequentam igrejas,
admoestam, instruem,
insinuam comoções,
agarram-se à bandeira
e aos bons costumes
           ─ e nos pisam.

De bem, os homens,
à direita ou à esquerda,
desejam empreender um país
em que sejamos melhores,
sorridentes, diligentes, criativos,
pacíficos, contentes, superiores
                             ─ e nos cospem.

De bem, os homens,
cavalheiros do tempo-hoje,
em toda a santidade
de condutas ilibadas
(V.Exª me respeite,
que aqui nesta casa....),
andam sobremodo a nos amar,
amantes que o são da pátria e do povo
 ─ e nos matam, devagar, bem devagar.

│Autor: Webston Moura
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PATERNIDADE AVESSA QUE NOS FAZ ÓRFÃOS

Indicativo do presente,
um samba desafinado,
um amor desacatado.



Nosso país é um labirinto:
impossível a porta.
Para um mesmo dia,
acordamos.

Nas ruas, o temor;
nada é seguro.
Temos medo da criança
que se aproxima e estende os olhos
(será que está armada?)

Contamos os corpos,
as contas, as frustrações,
as doses no bar, as cores desvairadas
com que nutrimos a incógnita Brasil.
E isto nos habita, insuportavelmente,
como um louco habita um porão,
segregado da saúde dos homens de bem.

Nosso país:
paternidade avessa que nos faz órfãos.

│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

EM OLHOS DE ARDÓSIA

Do sertão, infinita noite:
açafroada lua ressoando azul;
o silêncio viril em que um pássaro
─ anjo de cobre, olhos de ardósia ─
enovela-se no ar (orvalho suspenso)    
e canta num triz sua voz de aviso
passo por aqui e chamo aos vivos.



Um menino anda
na estrada poeirenta.

Quem vem lá?
Um sem-nome, um vulto.
Quiçá um dia se saiba
do que lhe ocorre
entranhas adentro,
sua força medida
em cada pulso,
seus olhares ternos
para a estrelas,
e este dia ido
em olhos de ardósia.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 27 de novembro de 2016

PESSOA

Frágil, surgia.
Vitis vinifera.
Tão forte!



Assustada, carecia de abraços.
Não queria pensar, medir, saber.

Desapareça, cabeça, desapareça!

Assim é o corpo quando só,
quando dor: todo humano.
Assim é o humano.

Assustada, queria apenas sumir-se do presente;
depositar-se, tranquila, nalguma longinquidade.

Por isso e gradual, o vinho.
E o sofá diante da janela.
(Cor de trigo, dócil, a tarde).

Silêncio.
Dentro do abraço,
fora do mundo,
desassustava-se.

E o vinho já lhe corava os olhos.
Seu corpo, lar, canção, deserto.

│Autor: Webston Moura
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