A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

quarta-feira, 1 de março de 2017

GOIABEIRA

É uma goiabeira pequena, lá no fundo do quintal.
Solitária de outras fruteiras, só de quase tudo.
Construiu sua vida, independente das vicissitudes.
Deu frutos comuns, sombra pouca, só o que lhe coube.
Está findando-se, nobre e simples.

Psidium guajava, seu nome oficial, como o de seu fruto.
Mas, para os passarinhos, o ótimo e rápido pouso,
um ruge-ruge suave, um entra-e-sai sob a luz mutante das horas.

Sua voz é (convém-me ser, em minha limitação) o que meus olhos
e os meus outros sentidos podem captar de seu silêncio arbóreo.
E bem conversamos nesses anos todos, de inverno a inverno.
Nem nos apercebemos da idade passando.

E cá estamos: outra noite em que a vejo dormir sob a lua,
uma criança que não pude ter nos braços, mas muito direto na alma.


│Poema da Série “Árvores” – Autor: Webston Moura│

FLAMBOYANT

As casas com sobra de terreno à frente,
a fazer as vezes de jardim, embora não,
tinham nichos de natureza.
Alegre e forte, algum pé de flamboiã,
com o vermelho ao alto, fulgindo.

Veio de Madagascar nalgum remoto dia,
de modo direto ou por viés de desviado contrabando.
Árvore acentuada de paz, especialmente assim.
Ou, se me cabe, digo deste modo como sinto,
árvore da infância, dentre outras tantas,
perpétua ternura da genuína meninice.

Nunca lhe direi “Delonix regia”, nome sisudo que é.
Encontrando-a por aí, numa rua ou noutro lugar,
apenas lhe serei amigo, sem precisar dizer palavra.
E nos entenderemos nesta linguagem particular.


│Poema da Série “Árvores” – Autor: Webston Moura│

O MAMOEIRO

Todas as casas tinham mamoeiros, assim procede dizer.
E hoje não mais os vejo; não há mais quintais.
Frágil, um tronco que se abate fácil a golpes quaisquer.
De seus galhos, uma flauta que um dia vi meu avô engenhar.
Suas folhas caindo, de quando em quando, secando-se tal papel.
E sua virilidade resistente ao vento.

Não se pode, por frutos dispostos em supermercados,
saber da árvore em si, que esta relação liga-se ao todo.
Há que se colocar em marcha para algum refúgio,
onde uma senhora de ervas e fogão a lenha,
mãe a avó de uns tantos, tenha se dado a plantá-la.
Avistar-se-á, é bem certo, algum pássaro colhendo o mel,
a polpa que se pode ao fruto de entranhas amarelas
e sementes negras, elegantes capsulas.


│Poema da Série “Árvores” – Autor: Webston Moura│

A CARTEIRA

Identidade, CPF, Reservista, 40 anos e uma barba.
Quem sabe, com um irmão sumido num garimpo da Amazônia.
Mais certo: três ou mais filhos; esposa; um cão vira-latas.
Morador de um conjunto habitacional, imagina-se.

É pouco mais do meio-dia, a condução se aproxima.

Entre o desejo e a efetiva devolução do objeto,
considera-se carregar no bolso,
com o peso de especial responsabilidade,
a condensada história de um homem.
Como pesa uma vida, mesmo que numa carteira velha e surrada!


│Poema da Série “Objetos Perdidos” - Autor: Webston Moura│

PULSEIRA E ESCAPULÁRIO

Lílian: nome interno à pulseira.
Enrolado nela um escapulário.
Levou a bolsa; o ônibus é rápido.
Não havia ninguém neste ponto.
E tudo isso é um acaso.

A pressa produz infortúnios desses
às moças de pulseiras e escapulários,
moças que pegam ônibus e não sabem da maquinaria dos acasos.

Com isto às mãos, é como desbravar um mistério.
Advinha-lo, seria mais certo dizer.
De posse disso, sou o personagem de um romance policial,
aquele que vai descobrir Lílian e salvá-la das mãos dos facínoras.
Sua pulseira e seu escapulário são, na verdade,
disfarces de algo maior.
(Minha intuição nunca falha).

Mas, a bem da verdade,
lembro-me de que tudo
é apenas um acaso
e que eu mesmo,
como Lílian e seus objetos,
sou mais uma coisa perdida na cidade,
esta fábrica incessante de possibilidades,
inclusive acasos muito bem orquestrados em pontos de ônibus.


│Poema da Série “Objetos Perdidos” - Autor: Webston Moura│

O GUARDA-CHUVA

A senhorinha procura,
anda de um lado para o outro,
coça a cabeça, para, recomeça,
vai de uma ponta a outra da galeria.

O toque em meu ombro me chama.
Avisam-me de que ela é doida
e que busca um guarda-chuva.
Faz isso sempre até lhe darem um.
Objeto barato, de uso geral, quem se importa em dar?

A senhorinha recebe, sorri e diz “Meus filhos”.
Tem um tom nostálgico.
Fora abandonada pelos filhos?
É o que parece.

Encontrar um guarda-chuva,
para reencontrar algum caminho de volta
ao dia em que fora deixada nalguma rua,
quem sabe até num abrigo de nome que não sabemos,
coisa por aí, como se diz, de onde ela, supõe-se, fugiu
                                                                       (ou perdeu-se)


│Poema da Série “Objetos Perdidos” - Autor: Webston Moura│


terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

LEMBRANÇA



Sempre que o céu se nubla,
lembro-me dos céus da infância,
aqueles infinitos horizontes
e a vertigem de antes de cair as águas.
Devagar ou rápida, vinha a chuva,
o mundo inteiro ficava úmido,
uma inteira posse de águas em toda parte.
Depois, a míngua dos fios d’água ao pé das calçadas,
o ar limpo, o retorno dos citadinos à rotina,
a vida lavada, a leveza com que se supunha a vindoura noite.

Diria alguém ser isto natural, ontem ou hoje,
como quem toma por banal o que a vida naturalmente repete
─ chuvas, crepúsculos, um broto de carnaubeira.

A cada chuva, porém, repetição que o seja,
reinicia-se alguma infância no coração do homem,
que, comum ou não, saberá sentir,
se acordado para mais, se criança ainda.

Nada há na vida que, sendo beleza, não seja uma forma de milagre.

Diante da chuva, gratuidade da vida, meu coração é bastante,
não sofre senão uma alegria íntima, muito íntima, quase secreta.


│Poema da Série “Por Ocasião da Chuva” – Autor: Webston Moura│

O LADO ESQUECIDO DA CIDADE



Toda cidade tem sua parte baixa, periférica.
É onde os pobres teimosamente vivem.
A chuva que molha os altos, a fazer serenata nas varandas,
é a mesma que, nas partes baixas, desassossega.
Desfazer casas e barracos, fazer rolar ribanceiras,
sua chegada tem dessas tarefas de ofensa.
Ainda assim, por uma mágica razão de sentir,
uma mão sensível recolhe pingos e os bebe misturados a um sorriso.


│Poema da Série “Por Ocasião da Chuva” – Autor: Webston Moura│

O OLHAR DO RIBEIRINHO



Chove.
A estação não cessa.
Vai-se o rio mais largo e mais veloz.
As casas do lado de lá tem suas cumieiras alcançáveis à mão
de quem navega em canoa ou noutro arranjo.

Porém, detrás do olhar do ribeirinho restante,
este que apruma nos lábios e nas mãos uma prece
e estuda cautelosamente as nuvens,
vê-se a lavoura, a vazante e o peixe de um domingo.

│Poema da Série “Por Ocasião da Chuva” – Autor: Webston Moura│

sábado, 31 de dezembro de 2016

SAIU PARA DANÇAR

O dia último de um ciclo,
pó que se deposita,
tempo vivido,
passagem.

Amanhã é outra história,
não mais este faminto canto
de entranhas insaciáveis.

Assim,
em plena tarde de um dia comum
peguei minha bagagem e viajei!

Saiu para dançar!
─ responda a quem perguntar.



│Autor: Webston Moura│
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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Arcanos Grávidos II


Ainda que discreto,
fulgia um âmbar,
cor bonita de sonhar-se.




Sou até onde não vejo,
que a vastidão é do humano.
Meu olho, infante diante das eras,
sabe-me um pouco, não o todo.
Mas, ainda assim,
por um pulso que me toma,
lápis-lazúli incendiado,
percorrem-me visões emergentes.

Filho do Universo,
trago a semente a estalar
o sempre-querer que me habita
e que me quer crescente.

Sou o claro, o escuro,
o que a palavra não desdobra,
o sinal-sigilo na pedra,
a orla, a ilha, a água,
o rugido, o balido, a contrição,
esse mar de estrelas esperando olhares.


│Autor: Webston Moura
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