A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

quarta-feira, 8 de março de 2017

É UMA PESSOA



Na condução fria dos ofícios,
a estatística assentada aos documentos.

A perícia estuda,
a polícia investiga,
a justiça fecha a conta,
a imprensa repassa,
o cidadão não sente.

Mas, não!
Não é um número.
É uma pessoa.
Sim, é uma pessoa!
Por dentro da imagem dependurada à corda,
uma mulher, 36 anos, dois filhos, um barraco,
tudo o que a estatística não captura na condução fria de seu ofício.

(O silêncio de uma pessoa,
quem o escuta?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

O ANJO



Atrás daquele sorriso,
quem diria o agudo e oculto siso?
Quem conceberia a noite profunda naqueles olhos?
Onde se escondia a insídia, se cada gesto era pássaro?

Bem por isso,
por não se imaginar jamais a queda ali instalada,
acharam de ver um anjo estendido no banheiro.
Dezesseis anos, pulsos cortados, um menino.

(Onde não nos vemos,
quem nos habita?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

UM HOMEM PACATO



O apartamento em pânico.
Como depois de uma batalha,
a terra pisoteada por mil cavalos,
móveis e miudezas espalhados.
Cinzas e guimbas de cigarro,
garrafas vazias aqui e ali,
os rastros de um homem,
sua história espatifada.

A janela, o vento entrando,
o vidro recém-quebrado,
o corpo amassado, lá embaixo,
gente em redor, uma viatura aproximando-se.

O porteiro, simples homem comovido,
repete a pergunta:  mas por que?!

Nos destroços deixados,
onde a senha mais certa para saber-se a dor?


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

domingo, 5 de março de 2017

UM DOMINGO CINZA


Não há muito que se ver, a mobília é enxuta.
Um vaso, flores, tudo arrumado e simples.
Uma Bíblia na cabeceira, um crucifixo na parede.
Entra-se, com calma; com calma, sai-se.
Há uma despedida em cada visita.
Cada objeto já se pronuncia ausência.

Aqui não mais jaz uma vida à espera de mais vida:
quarto de um avô, doença adentro, contagem regressiva.

Em seus últimos suspiros,
um domingo cinza.


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

UM DISTINTO SENHOR



Um ladrilho dos anos quarenta.
Quero pisar isto, faz-me bem.
De resto, nem muito moderno,
exceto por traquitanas tecnológicas de hoje.
Uma ampla janela de vidro dá para a rua.
Fica ali, lê e escreve, não vê TV.     
No escuro, gosta de olhar pela janela.
Espera, sem força, uma surpresa.
Que nada! Nunca acontece nada demais na rua.
O bairro é bom, a vizinhança é normal.
Aqui é o terceiro andar de um prédio meio antigo.

Da janela, gosta de pensar ser Raymond Reddington,
mas falta-lhe o charme e a folha corrida.
Nem por isso é menos bandido com a vizinha,
uma advogada recém-solteira, sem filhos, bastante alegre.


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

AQUELE PÔSTER DA MARLENE DIETRICH



Este, sem janelas, apartado da casa,
no fim do quintal, pequeno, três por dois.
Para os dias de lua, dirá seu solitário morador.
Coloca uma cadeira fora, protege-se do sereno,
escuta música e, de longe, alguma voz vizinha.
É um lugar de guardar, o quarto, este, modesto e bom.
E ninguém, assim na pressa, saberá do que nele se sonha.

Aquele pôster da Marlene Dietrich é por ela, claro,
mas é também por alguém de menos notoriedade
e não menos beleza; um dia no passado, o tempo voa.

A lua está cheia,
a madrugada vem.
Hoje, porém, só a porta aberta,
o azul entrando, névoa, ninho.

(Pouca gente sabe de apenas estar.
Estar presente na própria vida.)


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 2 de março de 2017

TEMPO DE VIVER

Sabemos: o tempo é curto;
a vida, de grão em grão,
crescendo, esgota-se.

Então por que esta pedra na língua?

Os homens agridem-se,
disputam o que a traça há de comer.
Com os anos, vergados, olharão seus relógios,
e, exaustos, já não poderão mais sonhar,
tampouco ferir o telhado vizinho.

Mas o tempo não está no relógio,
este cão portátil de contagem fria.
O tempo está na escolha, tempo de viver.

Olha aquela lamparina próxima à janela.
É cada um recitando seu próprio destino.

Então por que esta pedra na língua,
se o tempo de viver é o tempo de amar?


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│

A PEDRA



Sisyphus - Jeffrey Hummel




O corpo passou; a pedra, não.
E como pode este homem ainda a levar?

É que a pedra é sua reza inarredável,
sua insubmissa amante, a que lhe come a carne.

A casa mudou, enrugou-se;
a oiticica, defronte, deita seus velhos galhos;
o silêncio ocupa as imagens rotas nos retratos;
e este homem, velho, ainda a carregar a pedra,
uma amada irresolução, uma porta bem aferrolhada.

É seu coração, que de todo não é só pedra,
mas que da pedra, esta que fere, muito vive,
sofre, teima, ilude-se e, por fim, há de morrer.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│







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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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A CADEIRA VAZIA

(Uma foto,
adocicada dor,
saudade)

Em seus olhos, as estradas poeirentas,
aqueles dias de caravanas e distâncias.
Depois, os mares de todos os nomes,
cada porto e suas gentes, idiomas frescos,
cidades a passear, segredos a descobrir.

Sim, fomos felizes.
Mas como é duro ver esta cadeira vazia
nesta casa tão docemente arrumada!


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 1 de março de 2017

GOIABEIRA

É uma goiabeira pequena, lá no fundo do quintal.
Solitária de outras fruteiras, só de quase tudo.
Construiu sua vida, independente das vicissitudes.
Deu frutos comuns, sombra pouca, só o que lhe coube.
Está findando-se, nobre e simples.

Psidium guajava, seu nome oficial, como o de seu fruto.
Mas, para os passarinhos, o ótimo e rápido pouso,
um ruge-ruge suave, um entra-e-sai sob a luz mutante das horas.

Sua voz é (convém-me ser, em minha limitação) o que meus olhos
e os meus outros sentidos podem captar de seu silêncio arbóreo.
E bem conversamos nesses anos todos, de inverno a inverno.
Nem nos apercebemos da idade passando.

E cá estamos: outra noite em que a vejo dormir sob a lua,
uma criança que não pude ter nos braços, mas muito direto na alma.


│Poema da Série “Árvores” – Autor: Webston Moura│

FLAMBOYANT

As casas com sobra de terreno à frente,
a fazer as vezes de jardim, embora não,
tinham nichos de natureza.
Alegre e forte, algum pé de flamboiã,
com o vermelho ao alto, fulgindo.

Veio de Madagascar nalgum remoto dia,
de modo direto ou por viés de desviado contrabando.
Árvore acentuada de paz, especialmente assim.
Ou, se me cabe, digo deste modo como sinto,
árvore da infância, dentre outras tantas,
perpétua ternura da genuína meninice.

Nunca lhe direi “Delonix regia”, nome sisudo que é.
Encontrando-a por aí, numa rua ou noutro lugar,
apenas lhe serei amigo, sem precisar dizer palavra.
E nos entenderemos nesta linguagem particular.


│Poema da Série “Árvores” – Autor: Webston Moura│

O MAMOEIRO

Todas as casas tinham mamoeiros, assim procede dizer.
E hoje não mais os vejo; não há mais quintais.
Frágil, um tronco que se abate fácil a golpes quaisquer.
De seus galhos, uma flauta que um dia vi meu avô engenhar.
Suas folhas caindo, de quando em quando, secando-se tal papel.
E sua virilidade resistente ao vento.

Não se pode, por frutos dispostos em supermercados,
saber da árvore em si, que esta relação liga-se ao todo.
Há que se colocar em marcha para algum refúgio,
onde uma senhora de ervas e fogão a lenha,
mãe a avó de uns tantos, tenha se dado a plantá-la.
Avistar-se-á, é bem certo, algum pássaro colhendo o mel,
a polpa que se pode ao fruto de entranhas amarelas
e sementes negras, elegantes capsulas.


│Poema da Série “Árvores” – Autor: Webston Moura│