A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

sábado, 25 de março de 2017

COM SEU INOFENSIVO OLHAR



Agora, se muito, olha esta janela, vê a paisagem,
mas não pode dar coisa alguma ao mundo.

Este cão, homem natural,
recebe a luz, sabe seu ouro, conhece a vida,
mas não pode reestruturar nenhum destino.
Está resumido a não ter força
e a olhar um jardim saturado de lágrimas.



│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

UM VULTO AO VENTO



Ninguém lhe sabe a moradia, sequer se há.
Sabem-lhe um apelido e o olhar silencioso.

Ele sempre atravessa a rua, talvez todas,
como se esse fosse o destino único, andejar.

É o cão sem dono, andrajo, sem eira nem beira.
E não é feliz, deduz-se da falta de vida que carrega.

Não penetra o coração de ninguém,
mas talvez não seja sua culpa.
É que foi feito para isso, dizem.

Há destes homens, lápis que não riscam;
homens sem assinatura de existência.

(Quem vem lá?
Um vulto ao vento.)


│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 8 de março de 2017

É UMA PESSOA



Na condução fria dos ofícios,
a estatística assentada aos documentos.

A perícia estuda,
a polícia investiga,
a justiça fecha a conta,
a imprensa repassa,
o cidadão não sente.

Mas, não!
Não é um número.
É uma pessoa.
Sim, é uma pessoa!
Por dentro da imagem dependurada à corda,
uma mulher, 36 anos, dois filhos, um barraco,
tudo o que a estatística não captura na condução fria de seu ofício.

(O silêncio de uma pessoa,
quem o escuta?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

O ANJO



Atrás daquele sorriso,
quem diria o agudo e oculto siso?
Quem conceberia a noite profunda naqueles olhos?
Onde se escondia a insídia, se cada gesto era pássaro?

Bem por isso,
por não se imaginar jamais a queda ali instalada,
acharam de ver um anjo estendido no banheiro.
Dezesseis anos, pulsos cortados, um menino.

(Onde não nos vemos,
quem nos habita?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

UM HOMEM PACATO



O apartamento em pânico.
Como depois de uma batalha,
a terra pisoteada por mil cavalos,
móveis e miudezas espalhados.
Cinzas e guimbas de cigarro,
garrafas vazias aqui e ali,
os rastros de um homem,
sua história espatifada.

A janela, o vento entrando,
o vidro recém-quebrado,
o corpo amassado, lá embaixo,
gente em redor, uma viatura aproximando-se.

O porteiro, simples homem comovido,
repete a pergunta:  mas por que?!

Nos destroços deixados,
onde a senha mais certa para saber-se a dor?


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

domingo, 5 de março de 2017

UM DOMINGO CINZA


Não há muito que se ver, a mobília é enxuta.
Um vaso, flores, tudo arrumado e simples.
Uma Bíblia na cabeceira, um crucifixo na parede.
Entra-se, com calma; com calma, sai-se.
Há uma despedida em cada visita.
Cada objeto já se pronuncia ausência.

Aqui não mais jaz uma vida à espera de mais vida:
quarto de um avô, doença adentro, contagem regressiva.

Em seus últimos suspiros,
um domingo cinza.


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

UM DISTINTO SENHOR



Um ladrilho dos anos quarenta.
Quero pisar isto, faz-me bem.
De resto, nem muito moderno,
exceto por traquitanas tecnológicas de hoje.
Uma ampla janela de vidro dá para a rua.
Fica ali, lê e escreve, não vê TV.     
No escuro, gosta de olhar pela janela.
Espera, sem força, uma surpresa.
Que nada! Nunca acontece nada demais na rua.
O bairro é bom, a vizinhança é normal.
Aqui é o terceiro andar de um prédio meio antigo.

Da janela, gosta de pensar ser Raymond Reddington,
mas falta-lhe o charme e a folha corrida.
Nem por isso é menos bandido com a vizinha,
uma advogada recém-solteira, sem filhos, bastante alegre.


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

AQUELE PÔSTER DA MARLENE DIETRICH



Este, sem janelas, apartado da casa,
no fim do quintal, pequeno, três por dois.
Para os dias de lua, dirá seu solitário morador.
Coloca uma cadeira fora, protege-se do sereno,
escuta música e, de longe, alguma voz vizinha.
É um lugar de guardar, o quarto, este, modesto e bom.
E ninguém, assim na pressa, saberá do que nele se sonha.

Aquele pôster da Marlene Dietrich é por ela, claro,
mas é também por alguém de menos notoriedade
e não menos beleza; um dia no passado, o tempo voa.

A lua está cheia,
a madrugada vem.
Hoje, porém, só a porta aberta,
o azul entrando, névoa, ninho.

(Pouca gente sabe de apenas estar.
Estar presente na própria vida.)


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 2 de março de 2017

TEMPO DE VIVER

Sabemos: o tempo é curto;
a vida, de grão em grão,
crescendo, esgota-se.

Então por que esta pedra na língua?

Os homens agridem-se,
disputam o que a traça há de comer.
Com os anos, vergados, olharão seus relógios,
e, exaustos, já não poderão mais sonhar,
tampouco ferir o telhado vizinho.

Mas o tempo não está no relógio,
este cão portátil de contagem fria.
O tempo está na escolha, tempo de viver.

Olha aquela lamparina próxima à janela.
É cada um recitando seu próprio destino.

Então por que esta pedra na língua,
se o tempo de viver é o tempo de amar?


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│

A PEDRA



Sisyphus - Jeffrey Hummel




O corpo passou; a pedra, não.
E como pode este homem ainda a levar?

É que a pedra é sua reza inarredável,
sua insubmissa amante, a que lhe come a carne.

A casa mudou, enrugou-se;
a oiticica, defronte, deita seus velhos galhos;
o silêncio ocupa as imagens rotas nos retratos;
e este homem, velho, ainda a carregar a pedra,
uma amada irresolução, uma porta bem aferrolhada.

É seu coração, que de todo não é só pedra,
mas que da pedra, esta que fere, muito vive,
sofre, teima, ilude-se e, por fim, há de morrer.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│







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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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A CADEIRA VAZIA

(Uma foto,
adocicada dor,
saudade)

Em seus olhos, as estradas poeirentas,
aqueles dias de caravanas e distâncias.
Depois, os mares de todos os nomes,
cada porto e suas gentes, idiomas frescos,
cidades a passear, segredos a descobrir.

Sim, fomos felizes.
Mas como é duro ver esta cadeira vazia
nesta casa tão docemente arrumada!


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│