sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Inexistência


Busco no calendário o inexistente
e escuto o vento rodear a casa.
Empunho a arma doutrinária
da elasticidade com que distâncias
se fecham em notícias. O dia
anunciado no regredir do ano.
A estrela apanhada em rituais.
Uno a finalização dos destinos
e do interior da casa escuto
a ordem de retorno. O vento
cessa a busca por enquanto.



│Autor: Pedro Du Bois
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# Poema constante de Iguais (Projeto Passo Fundo, 2013)

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* Pedro Du Bois [Passo Fundo-RS, Brasil] - Poeta, contista, autor de Iguais (poemas), O senhor das estátuas(poemas), Os objetos e as coisas (poemas) Pedro Du Bois Em Contos (contos). Participa do Projeto Passo Fundo (http://www.projetopassofundo.com.br/), é membro da Academia Itapemense de Letras e do Clube dos Escritores de Piracicaba. Mantém o blog Pedro Du Bois - Poemas(http://pedrodubois.blogspot.com.br/) e reside atualmente em Balneário Camboriu-SC, Brasil.
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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

BREVE MAPA DE UMA TERÇA-FEIRA

nenhuma data rezinga na solidão de agora,
exceto a que, tarde de chuva e barcos de papel,
pronuncia o menino que fui e que em mim continua.

                   (o amarelo das fotos me tinge)

lá fora, um inchaço a que chamamos cidade:
                caminhos e labirintos; dinheiro.

sob esta goiabeira, a sol resistida,
com um arisco azulão a saltar,
sou remorso quase alegre, quase melancólico,
e penso: é preciso deflagrar o bálsamo.



│Autor: Webston Moura
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NOTA:
I. Os versos em negrito e itálico constam, respectivamente, dos meus poemas "Alma de lacrau",  "Cascas do sono" e "Bálsamo violento" (Encontros imprecisos: insinuações poéticas; 2016)
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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

[É por ti que se enchem os rios]

É por ti que se enchem os rios
de carpas azuis,
de águas que querem saltar
pela minha janela.
Como é belo este silêncio ilimitado
quando nas copas redondas das árvores
o teu nome me chama.
Pedi-te que apagasses a lua
e que nos campos tacteando te encontrasse.
Sei-te na aurora, por isso não temo
e agora a lanterna dos dias pode
por fim ficar em ventos de abraços.
Voam aves dentro dos teus sonhos
como memórias de pétalas acordadas.
Ficas ancorado dentro do meu tempo.
Não há saudade nem solidão
que se não derrube.





│Autora: Lília Tavares
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# Poema constante de PARTO COM OS VENTOS, Prefácio de Carlos Eduardo Leal, Ilustrações a partir de esculturas de arame, por Simone Grecco (Kreamus, 2013)

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Lília Tavares (1961)  é psicóloga clínica, há 24 anos a trabalhar na reabilitação de jovens e adultos. Casada e mãe de dois filhos, frestas de luz que a vida lhe deu. Unida à Poesia desde os treze anos, publicou em 1979 Fusão Crepuscular e outros Poemas em edição de autor. Participou, a convite, numa antologia de poetas do Baixo Alentejo, dois anos mais tarde. Natural de Sines, traz consigo o aroma das marés vivas de Setembro. De extremos, ama o aroma das terras, o sol, as alfazemas em Junho. Criadora e co-autora da Página "Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen"Lília é co-autora da Página "Poesia com Artes" e, neste âmbito, realiza  Encontros de Poesia e Artes em Oeiras. Tem criado eventos, prefaciado,  participado e/ou apresentado diversos livros de poesia de outros autores. Participou com outros onze autores em Rio de Doze Águas (Coisas de Ler, 2012), antologia prefaciada por Joaquim Pessoa. Publicou Parto com os Ventos (Kreamus, 2013), prefaciado por Carlos Eduardo Leal, RJ, e ilustrado com esculturas de arame de Simone Grecco, SP. Ama as pequenas coisas. Prende o olhar numa lágrima, num amigo, numa estrela.
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terça-feira, 30 de setembro de 2014

As Mãos



Sabe o que está escrito na sua mão? Orides Fontela responde: “Leio / minha mão / único livro”.

Os poetas dentro do processo criativo contextualizam “as mãos” como desafio, desenvolvendo um olhar afetuoso e captando a essência atemporal da palavra, com a finalidade de desvendar esse poder absoluto que as mãos exercem sobre nós. Nas palavras de Jorge Tufic, “Para / Fernando Pessoa / os símbolos / não são você / nem ninguém. / São a noite interna / a dormir acordado. / Símbolos. / As mãos, por exemplo: / Quem são elas?”

As mãos constituem a individualidade no sentido da existência e, ao as vivenciarmos, encontramos os gestos declarados: mãos que guardam o tempo, mãos frias e quentes, mãos estendidas e recolhidas, mãos que arremessam  e acenam, mãos que ajudam, mãos para trás negando o contato e renegando o gesto, mãos carinhosas e amigas, as mãos do carrasco, mãos lidas pelas ciganas, mãos calejadas, mãos trêmulas e a Mão Única, de Orides Fontela: “é proibido / voltar atrás / e chorar.”

As mãos revelam o gesto e descrevem os diferentes processos que vão da aprendizagem à liderança e da tristeza à alegria. Elas, ainda, representam a confiança nas relações pessoais, promovendo a emoção, como em Carmem Presotto, “Há mãos / que ao contar poemam /escrevem no tempo / libertam amarras / reúnem amizades / e dão às letras liberdade...” Também são retratadas no homem que sofre, quando lança mão de um amor, como o livro As Mãos em Cena de Pedro Du Bois: “De você / tive a mão / na condução / da vida // ávida como são as diferenças / troquei sua mão / pela minha / e me fiz / sozinho // tenho minha mão interrompida / no momento em que larguei a sua...”


Ao andar por esse caminho, me instiga pensar o que significam para os poetas, nos dias de hoje, as mãos que os tocam; seriam elas que dão a beleza e a força? Benedito Cesar Silva nos mostra que “Desço as mãos sobre seu corpo, / Incorporando-o ao meu. / Na dualidade das partículas em atrito / fazemo-nos um”.

Percebo que a influência das mãos é manifestada através de expressões que estão presentes no nosso dia a dia, como dar com um mão e retirar com a outra, passar de mão em mão, estar de mãos atadas, ganhar de mão beijada, pedir a sua mão, não abrir mão de, “... Não abrirei mão de arrancar as estacas, / de ampliar horizontes e o que se faça, / para enraizar e frutificar sonhos!”, nas palavras de Benedito Cesar Silva. O interessante é que o homem em sua essência continua o mesmo, o que muda são as circunstâncias que na linguagem poética têm a liberdade de buscar novos e simbólicos temas, que o poeta escreve com pluralidade de significados, deixando a linguagem viva, como em Armindo Trevisan, “Antes que a romã / escancare as portas / do dia /  beijo-te as mãos”.

Essa liberdade que pensamos ser verdadeira e alcançada pelos poetas, talvez seja apenas mais um dos segredos da motivação com que eles apontam uma nova maneira de produção. Ao desvendar esse poder é preciso manter como tema o sonho da conquista; buscar no pensamento as impressões baseadas nas razões e nos sentidos, como percurso de comunicação. Na visão de Carmem Presotto, “Há mãos que ao contar / amam no tempo em que vivem / e por isso, trabalham, dobram espaços, / lutam e transformam horizontes...”


│Autor: Tânia Du Bois
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# Crônica constante de Amantes nas entrelinhas: crônicas (Projeto Passo Fundo, 2013)

# Leia também:


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* Tânia Du Bois, natural de Sarandi, RS, residente em Balneário Camboriú, SC. Pedagoga. Articulista, cronista e resenhista. Colunista literária do Jornal Correio do Município, Itapema, SC e da A Revista SC. Colaboradora do Projeto Passo Fundo.
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domingo, 28 de setembro de 2014

ENQUANTO OLHAVA AS MARGARIDAS

ressentia a meninez dos inícios imberbes,
                          mas o tempo já lhe havia passado.

seu rosto, um mapa antigo, refolhos;
seus olhos, o  quão podiam, luz ensombrada;
suas mãos, cronologia de léguas.

domingo, estava só no beiral sentindo refluências,
e o mundo, tarefa indomável, lhe doía
como uma chaga sempre aberta e disposta.

á sua frente, ao chão, sem acídia, a natureza
de infatigáveis margaridas, suas vozes brancas.

consigo e contrito, embora leve,
descosturava ali as palavras desmesuradas
                                                       estômago adentro.

era homem e era só, assim de se considerar somenos.



│Autor: Webston Moura

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NOTA:
1.Os versos em negrito e itálico constam de meu poema "Beiral" (Encontros Imprecisos: insinuações poéticas; Imprece, 2006)

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a vida passa


chorar em etrusco ou na varanda,
porque em mim já não caibo.

é fim de tarde: na rua, passam, lentamente,
umas senhoras, suas dores (quase) amansadas,
                   dores que se convertem em diabetes
                                                            e hipertensão
e o mais que os seus silêncios de mães
não pronunciam senão por olhares cabisbaixos.

levam seus rosários; vão à missa.
eu as vejo com meus olhos já envelhecendo;
eu, que inda agora era jovem e supunha mudar o mundo,
quando sequer arranhei o muro,
exceto por umas insinuações poéticas.

(no alto céu, a noite a cair num cinza-azulado
em que o íntimo extasia a estrela e o pudor.)

noutro tempo, longe,
plangem violões uma serenata:
escuto um nome ― maria ―,
talvez aquela que,
no futuro,
nem mais se lembre de flor e vênus,
posto haver-lhe apenas sangue nas mãos,
                                                   sal não-bendito
e vermelho, todo forte.

adentro a casa em que moro,
vou à cozinha e sorvo uma dose de cachaça.
e, súbito, a voz que, em última esperança,
anuncia uma canção mínima:
estamos vivos no prezo do respirar.

a vida passa, sei, respirando.



│Autor: Webston Moura
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