terça-feira, 28 de março de 2017

PALAVRA

Não tenho outras palavras,
exceto estas,  gastas, que trago no costume.
Sei, entretanto, poder renová-las desde seu cerne,
como dizer calçada e ver o caminhar dos transeuntes,
os sentimentos todos atravessando as horas.

Palavra é meio, transito, panela onde se coze,
cadeira onde se senta, até a interjeição no cartaz que pede Silêncio!
na emergência de um hospital, lugar onde as palavras doem,
ainda que envolvidas em penicilina, gaze e procedimentos singulares.

A palavra jardim não dá flores, diz-me o passante
(ironizando uma minha possível inocência).
Ao que direi ver dela despencarem cheiros e lembranças,
rostos e possibilidades, flores que a imaginação fabrica.


│Poema da Série “Palavra” – Autor: Webston Moura│

PALAVRAS SECAS

Havia sonhado um poema.
Iria construí-lo água jorrando.
Perdeu-se debaixo de uma pá carregadeira,
entre as notícias nervosas do jornal primeiro
e o vozerio dos gentios ante o incerto.

Aqui, momento bem depois,
cá estou a deslizar o lápis no branco da angústia,
catando palavras que digam andiroba e catuaba,
palavras que possam domar touros e ventanias.

E tudo o que me toma é ausência e sono.
Como são fortes as palavras secas.


│Poema da Série “Palavra” – Autor: Webston Moura│

LI POESIA

Pão é uma palavra cheia.
Amor, idem, ainda que em falso.
Agora, pressa que acossa a ênfase imperativa.

Deseja-se paz, mas a lavoura é de cupins.
Aqui e acolá, tua boca pela minha, pronúncia grávida de desnexos.
Dai-me, Pollok, uma linha para ler tuas tintas!
Concede-me, Pessoa, a honra desta dança contra
                                                                         as coisas
                                                                           que nos
                                                                          caem do
                                                                          coração!

Abre-te, Sésamo, que acabo de cometer ócio explícito
na engenharia ardente das tarefas inoperantes do cotidiano:

li poesia & desejei ser.


│Poema da Série “Palavra” – Autor: Webston Moura│

domingo, 26 de março de 2017

COISA SUSSURRANTE






Morasse próximo ao mar,
perder-me-ia muitas vezes a olhá-lo.
Para mim, o mar é ócio, demora imensa junto ao vento.

Talvez, esta seja uma das senhas para o amor:
deixá-lo ser a coisa sussurrante que nos toma o corpo,
uma miríade de finas mãos costurando conchas.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

ENQUANTO TE OUÇO NAS MARÉS

Teus olhos azuis, espelhos d’água sereníssimos.
Tua pele dourada, memórias de sal a sol.

És o sargaço furioso e eterno renascido sempre.
És a sombra de navios que não existem mais,
exceto suas carcaças, hoje moradas de líquens
e de senhorinhas que se afogaram em tardes esquecidas.

Por isso, estás aí nos meus sonhos
e cantas a monotonia agradável das marés
enquanto adormeço gaivotas em meu corpo.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

TUA PRESENÇA

Morasse próximo ao mar,
ver-te-ia, mesmo que não pudesse.

Não é desejo de alucinação;
apenas invenção do ócio em mim engastado,
prática de quem aprendeu o mar e nunca mais o deixou.

Carrego este búzio ao ouvido,
som primordial que engravida belezas.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│