quarta-feira, 17 de maio de 2017

O PIANO



Não sabe onde toca, dentro de si, o piano.
Escuta-o, mas não com os ouvidos,
e não uma só música, que há muitas tocando.

Sabe-se saudável; não se toma por delirante:
pessoa de imaginação estendida e aberta, segue.

Como não encontra a porta que dê para o lugar do piano,
tampouco o piano diretamente sobre seu nariz, procura.

Lembra-se ─ como não? ─ da casa incendiando-se,
seus tios correndo, os vizinhos juntos, a rua acesa.
No meio do fogo, ardendo severo, ia-se o piano.
Faz tanto tempo, faz tanto tempo, faz tanto tempo.

Tanto tempo!


│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

O LIVRO



O Retrato de Dorian Gray nunca lido.
E, por algum motivo, sempre este encontro desmarcado.
Os anos se passando, o livro fechado, oculto em seu silêncio.
Por algum motivo, o livro pairando, suas palavras guardadas.
Ora, mas que motivo é este?!

A cada dia, a cada mês, a cada ano, o livro nunca lido
desaparecendo, virgem desta vontade que não o alcança,
                                           destes olhos que não o perscrutam,
                                                                                            sempre.

Objeto tocado, mas perdido, posto que não viajado entranhas adentro.

│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

A JARRA



Não sabe da jarra que falta,
só de seu pacífico lugar.

Alguém a roubou?
Todas as investigações chegaram a nada.

O que possui é a mesa vazia, a marca do fundo,
a sombra agigantada de uma voz muda.

Quando relampeja, luzes apagadas, quase a vê, mas é ilusão.
Comprasse outra, resolvido o problema. Mas, não!
Adquirir um gosto pela busca, sabendo do perdido, é também aventura
e, de certa forma, posse.

Se há quem ame carrancas, por que não amar uma ausência?

│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

INFINITOS DE MIM



Que esta folha em branco não me seja naufrágio.
Preciso escrever uma carta, testemunhar o instante.

Marujo, deixo continentes encostados à espera.
Trago sal às palavras, todas grávidas de viagens.

Ao mar, infinitos de mim.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│


AQUELES OLHOS NOTURNOS



Quis um poema nu e simples,
búzio pequeno todo-em-si,
jangada clara na linha d’água.
Queria estar noutro lugar,
que este atulha-se de mundo.

Pude o mar, a janela aberta à brisa,
os olhos noturnos de noturna moça.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

JANELA ABERTA PARA O MAR



Da minha janela, mar nenhum.
Imagino, pois, os azuis que gosto.
E a areia, leve e branca, me escorre entre os dedos,
sonho vagaroso de domingos preguiçosos.

Da minha janela, que janela há?
A que me pousa onde me invade,
pássaro branco de nome melódico.

Sonhei um cais e um horizonte.
Não havia dor, nem contas, nem urgências.
Deram-me por louco divagando tolices.
Não sabem de inventar paisagens ou palavras.

Faço, assim, como me assenta, dar de ver mar,
mas mais ainda: nele nadar e me converter.

Vês o cavalos-marinhos?
São como serenos lírios de luz.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│